Essa veio da Caros Amigos
Hediondo são o latifúndio e seus defensores
por Marcos Rogério de Souza
A CPMI da Terra concluiu suas atividades aprovando um relatório paralelo que criminaliza o MST e dificulta o avanço da reforma agrária. O documento é tão reacionário que chega a recomendar a aprovação de dois projetos de lei que tipificam as condutas de quem ocupa terras, para pressionar o governo a fazer a reforma agrária, como crime hediondo e ato terrorista.
Confeccionado pelo deputado ruralista Abelardo Lupion, conhecido no parlamento brasileiro por defender intransigentemente os caloteiros do crédito agrícola e os proprietários rurais acusados de criar milícias privadas, o parecer dedica mais de 200 das suas 365 páginas ao MST. Dois terços das páginas restantes descrevem as atividades da CPMI e reproduzem acórdãos do TCU que constataram superfaturamento em desapropriações e outras irregularidades na atuação do INCRA, durante o gestão FHC (curiosamente, o texto não informa que as irregularidades são relativas ao governo anterior).
Toda a problemática fundiária brasileira, os processos de reforma agrária e o ordenamento jurídico da terra são tratados em menos de quarenta páginas. O documento quase não dedica uma linha para analisar a violência no campo, a existência de milícias privadas, a grilagem, o trabalho escravo ou os movimentos de proprietários. Sobre Pernambuco, por exemplo, cita somente a morte de um soldado da Polícia Militar, omitindo que, de 2003 até hoje, foram mortos 15 lideranças de trabalhadores rurais (três apenas nos últimos dois meses). No caso do Pará, não faz qualquer menção aos conflitos, à grilagem ou mesmo à morte da Irmã Dorothy.
A concepção autoritária, preconceituosa e fascista do relatório aprovado revela-se no principal argumento utilizado para criminalizar os sem terra, repetido à exaustão: o MST é ?um movimento revolucionário de esquerda?, ?sua meta é revolucionária socialista? e sua filosofia ?é revolucionária de esquerda?. Ademais, mesmo sem qualquer prova, afirma que o MST ?não reluta em desviar recursos, públicos ou privados?.
Qualquer semelhança com o movimento de criminalização da esquerda, em especial do PT, que vem sendo realizada pela direita brasileira através das CPIs dos Correios e dos Bingos e dos meios de comunicação, não é mera coincidência. O relatório deixa explícito seu propósito de exterminar o MST, a esquerda e os socialistas. Ignora completamente que a Constituição Federal assegura a democracia, o pluralismo político e a livre manifestação do pensamento, razão pela qual não constitui nenhum crime ser socialista ou possuir ideologia de esquerda.
O parecer elaborado pelo Deputado Abelardo Lupion, ao classificar a ocupação de terras como ?crime hediondo? e ?ato terrorista?, torna-se o primeiro documento oficial do Parlamento brasileiro que incorpora a ?doutrina Bush? de ?guerra contra o terror?. Quando recomenda, sem qualquer prova, o indiciamento do dirigente da ANCA Pedro Christofolli, do ex-dirigente José Trevisol e do Presidente da CONCRAB Francisco Dalchiavon, entidades que atuam em parceria com o MST, o relatório revela sua verdadeira face: é, em si mesmo, um manifesto do ódio dos ruralistas aos trabalhadores sem terra.
Curioso é saber que o texto foi aprovado em detrimento do relatório apresentado pelo Deputado João Alfredo. Relator legítimo da CPMI desde que ela foi instalada, em dezembro de 2003, João Alfredo participou de todas as viagens e audiências públicas realizadas pela Comissão. Seu relatório, com mais de 750 páginas e 150 recomendações, reflete o objetivo para o qual a CPMI foi constituída, qual seja, realizar ?amplo diagnóstico sobre a estrutura fundiária brasileira, os processos de reforma agrária e urbana, os movimentos sociais de trabalhadores, assim como os movimentos de proprietários de terras?. Analisa a estrutura fundiária; aponta as causas da violência no campo; cuida do trabalho escravo; trata com isonomia os movimentos sociais de trabalhadores e de proprietários; analisa os processos de reforma agrária, a demanda e o estoque de terras; reflete sobre a legislação concernente à reforma agrária, apresentando propostas para seu aperfeiçoamento; assim como dedica mais de 300 páginas para analisar a questão agrária nos estados. Além disso, analisa a questão urbana, em especial o despejo violento de mais de 14 mil famílias da ocupação Sonho Real, em Goiânia.
Ao rejeitar um parecer substancioso, consentâneo com a realidade fundiária e que apresentava propostas para agilizar a reforma agrária, a maioria dos integrantes da CPMI fez opção por não contribuir para a garantia dos direitos humanos dos trabalhadores em luta pela terra no campo e na cidade. Por outro lado, ao aprovar o relatório paralelo, essa mesma maioria escolheu o caminho da absolutização do direito de propriedade e da responsabilização das vítimas pela violência no campo. A aprovação de um relatório com tal carga de reacionarismo comprova que a bancada ruralista continua sendo um dos grupos de interesses com maior força no Congresso Nacional.
O relatório aprovado é, ele sim, hediondo. O documento criminaliza os movimentos sociais de luta pela terra e premia o latifúndio improdutivo. Representa uma ode à violência. Em vez de contribuir com a solução da problemática agrária, é mais um obstáculo no caminho da implementação da reforma agrária e da justiça social no campo brasileiro.
Marcos Rogério de Souza é mestrando em Direito pela UNESP ? Campus de Franca e Assessor da Relatoria da CPMI da Terra do Congresso Nacional.
Confeccionado pelo deputado ruralista Abelardo Lupion, conhecido no parlamento brasileiro por defender intransigentemente os caloteiros do crédito agrícola e os proprietários rurais acusados de criar milícias privadas, o parecer dedica mais de 200 das suas 365 páginas ao MST. Dois terços das páginas restantes descrevem as atividades da CPMI e reproduzem acórdãos do TCU que constataram superfaturamento em desapropriações e outras irregularidades na atuação do INCRA, durante o gestão FHC (curiosamente, o texto não informa que as irregularidades são relativas ao governo anterior).
Toda a problemática fundiária brasileira, os processos de reforma agrária e o ordenamento jurídico da terra são tratados em menos de quarenta páginas. O documento quase não dedica uma linha para analisar a violência no campo, a existência de milícias privadas, a grilagem, o trabalho escravo ou os movimentos de proprietários. Sobre Pernambuco, por exemplo, cita somente a morte de um soldado da Polícia Militar, omitindo que, de 2003 até hoje, foram mortos 15 lideranças de trabalhadores rurais (três apenas nos últimos dois meses). No caso do Pará, não faz qualquer menção aos conflitos, à grilagem ou mesmo à morte da Irmã Dorothy.
A concepção autoritária, preconceituosa e fascista do relatório aprovado revela-se no principal argumento utilizado para criminalizar os sem terra, repetido à exaustão: o MST é ?um movimento revolucionário de esquerda?, ?sua meta é revolucionária socialista? e sua filosofia ?é revolucionária de esquerda?. Ademais, mesmo sem qualquer prova, afirma que o MST ?não reluta em desviar recursos, públicos ou privados?.
Qualquer semelhança com o movimento de criminalização da esquerda, em especial do PT, que vem sendo realizada pela direita brasileira através das CPIs dos Correios e dos Bingos e dos meios de comunicação, não é mera coincidência. O relatório deixa explícito seu propósito de exterminar o MST, a esquerda e os socialistas. Ignora completamente que a Constituição Federal assegura a democracia, o pluralismo político e a livre manifestação do pensamento, razão pela qual não constitui nenhum crime ser socialista ou possuir ideologia de esquerda.
O parecer elaborado pelo Deputado Abelardo Lupion, ao classificar a ocupação de terras como ?crime hediondo? e ?ato terrorista?, torna-se o primeiro documento oficial do Parlamento brasileiro que incorpora a ?doutrina Bush? de ?guerra contra o terror?. Quando recomenda, sem qualquer prova, o indiciamento do dirigente da ANCA Pedro Christofolli, do ex-dirigente José Trevisol e do Presidente da CONCRAB Francisco Dalchiavon, entidades que atuam em parceria com o MST, o relatório revela sua verdadeira face: é, em si mesmo, um manifesto do ódio dos ruralistas aos trabalhadores sem terra.
Curioso é saber que o texto foi aprovado em detrimento do relatório apresentado pelo Deputado João Alfredo. Relator legítimo da CPMI desde que ela foi instalada, em dezembro de 2003, João Alfredo participou de todas as viagens e audiências públicas realizadas pela Comissão. Seu relatório, com mais de 750 páginas e 150 recomendações, reflete o objetivo para o qual a CPMI foi constituída, qual seja, realizar ?amplo diagnóstico sobre a estrutura fundiária brasileira, os processos de reforma agrária e urbana, os movimentos sociais de trabalhadores, assim como os movimentos de proprietários de terras?. Analisa a estrutura fundiária; aponta as causas da violência no campo; cuida do trabalho escravo; trata com isonomia os movimentos sociais de trabalhadores e de proprietários; analisa os processos de reforma agrária, a demanda e o estoque de terras; reflete sobre a legislação concernente à reforma agrária, apresentando propostas para seu aperfeiçoamento; assim como dedica mais de 300 páginas para analisar a questão agrária nos estados. Além disso, analisa a questão urbana, em especial o despejo violento de mais de 14 mil famílias da ocupação Sonho Real, em Goiânia.
Ao rejeitar um parecer substancioso, consentâneo com a realidade fundiária e que apresentava propostas para agilizar a reforma agrária, a maioria dos integrantes da CPMI fez opção por não contribuir para a garantia dos direitos humanos dos trabalhadores em luta pela terra no campo e na cidade. Por outro lado, ao aprovar o relatório paralelo, essa mesma maioria escolheu o caminho da absolutização do direito de propriedade e da responsabilização das vítimas pela violência no campo. A aprovação de um relatório com tal carga de reacionarismo comprova que a bancada ruralista continua sendo um dos grupos de interesses com maior força no Congresso Nacional.
O relatório aprovado é, ele sim, hediondo. O documento criminaliza os movimentos sociais de luta pela terra e premia o latifúndio improdutivo. Representa uma ode à violência. Em vez de contribuir com a solução da problemática agrária, é mais um obstáculo no caminho da implementação da reforma agrária e da justiça social no campo brasileiro.
Marcos Rogério de Souza é mestrando em Direito pela UNESP ? Campus de Franca e Assessor da Relatoria da CPMI da Terra do Congresso Nacional.
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