10 novembro 2005

Nota sobre a tradução de "A Conversa Infinita", de Maurice Blanchot

Nós, brasileiros, somos neófitos em Maurice Blanchot. Muitos de nós nos interessamos por essa figura via outros pensadores, especialmente filósofos. Na Universidade, os "críticos literários" o desconhecem, e muitos dizem não estudá-lo por tratar-se meramente de um "marginal", "desocupado" de questões de gente como Bakhtin. Mas, felizmente, várias traduções desse difícil autor - situado de modo feliz bem longe das querelas de autoria da crítica literária - estão sendo lançadas ao português.

Gostaria de fazer um breve apontamento sobre a tradução de "A Conversa Infinita", publicada pela Editora Escuta. A princípio, para dizer o seguinte: diante de um autor difícil como Blanchot, uma boa tradução é essencial, para que certos equívocos não sejam ocasionados. Se a leitura de um autor de peso como Blanchot é difícil, a dificuldade não pode ser agravada por problemas de tradução. E, nesse livro que aparenta ser belo (a nós, neófitos brasileiros), algumas dificuldades se impõem logo de início. Para dar um primeiro exemplo, o uso indiscriminado, no primeiro capítulo, das palavras "busca", "procura" e "pesquisa": dizem elas a mesma coisa? Traduzem elas uma mesma palavra (chercher? rechercher?)?

O mesmo ocorre no segundo capítulo: Blanchot afirma lá que a pergunta coloca em questão o próprio Ser, e assim cada possibilidade de interrogação advinda da linguagem propõe uma abertura radical, como o fazem o "is" ou o "ist" de "is the sky blue?" e "Ist der Himmel blau?". O "é" propõe uma abertura inicial nas línguas alemã e inglesa que não é imediatamente visível no francês ("Le ciel est-il bleu?"), ou por consequência no português ("O céu é azul?"). Mas a tradução ao português constrange esse raciocínio, traduzindo "Le ciel est-il bleu?" por "Seria o céu azul?" (p. 44), quando poderia provavelmente traduzir a frase como "O céu é azul?". Caso assim procedecem, os tradutores concordariam com uma outra frase anterior (p. 43): "O céu é azul, o céu é azul? Sim", expressão-fonte do raciocínio de Blanchot, que uma página depois os tradutores transformam em "O céu é azul, seria o céu azul?", expressão diametralmente diferente da primeira.

Talvez tais observações sejam advindas de uma leitura não muito precisa e precipitada dessa valiosa tradução. De todo modo, são algumas indicações para problematizá-la (e esperamos, de saída, estar errados...).

3 comentários:

Anônimo disse...

Toda tradução comporta certa traição.
Não poderia ser diferente, especialmente, com Blanchot: uma tradução não seria, em si mesma, uma "nova possibilidade de interrogação advinda da linguagem"?
Apesar disto, corroboro a idéia de que não se deve eliminar o (necessário) de rigor ao traduzir.
A edição brasileira, a meu ver, abre acesso ao obscuro e atende à necessidade de disseminar conversas infinitas.
Karla
Ksp@ig.com.br

nomadez disse...

Oi Karla,

Obrigado pelo seu comentário, especialmente quando chama a atenção à impossível tarefa de 'traduzir' Blanchot. Realmente, seus livros ainda trarão muito pensamento novo para nós, e essas traduções são, nesse sentido, tarefas preciosíssimas.

um abraço (com a esperança de ler outras considerações suas por aqui),

Domingos disse...

Se o tradutor houvesse escrito "procedecem" em lugar de "procedessem", não seria alvo de muitas críticas?