06 outubro 2005

Abu Graib é "fichinha"


Soldados norte-americanos posando junto a corpo carbonizado

Já faz um bom tempo que vi, antes do escândalo de Abu Graib, uma série de fotos da guerra. Não tenho mais o link daquelas fotos. Nelas, podiam-se ver corpos carbonizados junto a veículos de guerra. Nada além de cenas de batalha, nada parecido com Abu Graib. Mas a partir de uma reportagem do Observatório da Imprensa, seguindo os links apresentados por Carlos Castilho, só fica a sensação de que os acontecimentos ocorridos em Abu Graib são simplesmente "fichinha".

Acompanhando os links do OI, chego aos comentários, aos títulos, e às fotos do nowthatsfuckedup.com.
O site é de pornografia, mas há vários tópicos dedicados à divulgação de fotos da guerra, com sugestivos títulos e comentários. Conforme Castilho, o site fornecia privilégios de assinatura a soldados que enviassem fotos comprovando a veracidade de estarem no front. O tom de crueldade e desprezo das fotos, dos comentários e dos títulos de cada tópico fazem o sadismo de Abu Graib ainda parecer pouco. Fiquei simplesmente sem reação ao ver e ler:

- Suicide bomber (this is one of the most gruesome pages on the entire site)
- Just got back from the sand box (this is also one of the worst pages)
- Warning this is some hard core shit (and it is)
- Die Haji Die
- Cooked Iraqi
- Name this body part
- Nice puss - bad foot
- Destruction of the Afghans
- Gotta respect the head shot
- Iraqi tried to run checkpoint
- This is disgusting

A foto acima, da série "cooked iraqi" (vinculada no americablog), mostra bem o tom da "brincadeira".

Mas o mal-estar não se resume à terrível sensação de ver as fotos e ainda ler os títulos (como o "nice puss, bad foot") e comentários. Em nossos tempos, as "boas consciências" que mostram que até mesmo fenômenos climáticos são intimamente relacionados aos níveis de consumo, essas boas consciências que vão a palestras e lêem livros de receitinhas de "gurus" como Fritjot Capra, pouco refletem sobre o quanto cada ação individual e cotidiana - alardeada por elas mesmas como 'libertadoras' - diz respeito à manutenção de mentiras e guerras.

Enquanto isso, deixemos na cabeça a assinatura do usuário "One leg at a time" ("uma perna por vez", nick de um provável soldado), do nowthatsfuckedup.com. Ao dizer, sobre o iraquiano carbonizado, que a paz no mundo não é conquistada em apenas uma noite, conclui:

We´re all animals here
Flesh and blood
Bone and dream
We´re just impulses here
Just another piece of shit

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi nomadez
É, parece que refeendmos a guerra ao seguirmos nossas vidas calmamente frente a esse torpor anestesiante da indiferença que assola muitos de nós. Como ativar a nossa capacidade de sermos afetados pelos 'outros' nessa época em que as coisas parecem, de certo modo, tão 'paradoxais'? Não sei se vc conhece, ou já leu, mas a Susan Sontag tem um livro bem interessante, intitulado 'Diante da dor dos outros', lindo, lindo, sensível. Uma das últimas coisas que vc escreveu me fez lembrar daquele documentário/filme do Michael Moore, 'Fahrenheit', em que um soldado estadunidense mostrava como eles matavam os civis... escutando música e agindo como se fossem personagens de um jogo de video-game. Realmente triste ver o quanto alguns seres-humanos são transformados em 'coisas': seres sem nome, sem história, sem-lugar...
Abraços