Georges de La Tour (1593-1652), embora em passagem breve, pode auxiliar na compreensão do estatuto do trágico no classicismo:
A desrazão mantém a mesma relação com a razão que o ofuscamento com o brilho do dia. E isto não é uma metáfora. Estamos no centro da grande cosmologia que anima toda a cultura clássica. O "cosmos" da Renascença, tão rico em comunicações e simbolismos internos, dominado inteiramente pela presença cruzada dos astros, desapareceu, sem que a 'natureza' tenha encontrado sua condição de universalidade, sem que acolha o reconhecimento lírico do homem e o conduza no ritmo de suas estações. O que os clássicos retêm do 'mundo', o que já presentem da 'natureza', é uma lei extremamente abstrata, que no entanto constitui a oposição mais viva e mais concreta, a do dia e da noite. Não é ainda a época fatal dos planetas, não é ainda a época lírica das estações; é o tempo universal, mas absolutamente dividido, da claridade e das trevas. Forma que o pensamento domina inteiramente numa ciência matemática - a física cartesiana é como uma mathesis da luz - mas que ao mesmo tempo traça na existência humana a grande cesura trágica: a que domina do mesmo modo imperioso o tempo teatral de Racine e o espaço de Georges de la Tour. O círculo do dia e da noite é a lei do mundo clássico: a mais reduzida, proém a mais exigente das necessidades do mundo, a mais inevitável, porém a mais simples das legalidades da natureza. (História da Loucura. SP, Perspectiva, 1995, p. 244).
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