11 outubro 2005

Foucault e Georges de La Tour

Em História da Loucura, há uma passagem fundamental - porém pouco explorada - que permite elucidar melhor em que sentido Foucault argumenta sobre uma "experiência trágica" da loucura. Seria ela algo atemporal, condição da história que paira sobranceira sobre cada gesto doador de sentido? Seria um resíduo de ausência de sentido, jogado para fora de cada "decisão" histórica que limita e divide aquilo que nos será o familiar e o estranho?


Georges de La Tour (1593-1652), embora em passagem breve, pode auxiliar na compreensão do estatuto do trágico no classicismo:

A desrazão mantém a mesma relação com a razão que o ofuscamento com o brilho do dia. E isto não é uma metáfora. Estamos no centro da grande cosmologia que anima toda a cultura clássica. O "cosmos" da Renascença, tão rico em comunicações e simbolismos internos, dominado inteiramente pela presença cruzada dos astros, desapareceu, sem que a 'natureza' tenha encontrado sua condição de universalidade, sem que acolha o reconhecimento lírico do homem e o conduza no ritmo de suas estações. O que os clássicos retêm do 'mundo', o que já presentem da 'natureza', é uma lei extremamente abstrata, que no entanto constitui a oposição mais viva e mais concreta, a do dia e da noite. Não é ainda a época fatal dos planetas, não é ainda a época lírica das estações; é o tempo universal, mas absolutamente dividido, da claridade e das trevas. Forma que o pensamento domina inteiramente numa ciência matemática - a física cartesiana é como uma mathesis da luz - mas que ao mesmo tempo traça na existência humana a grande cesura trágica: a que domina do mesmo modo imperioso o tempo teatral de Racine e o espaço de Georges de la Tour. O círculo do dia e da noite é a lei do mundo clássico: a mais reduzida, proém a mais exigente das necessidades do mundo, a mais inevitável, porém a mais simples das legalidades da natureza. (História da Loucura. SP, Perspectiva, 1995, p. 244).

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