09 outubro 2005

BibliOdyssey e os espelhos

"Caso pareça que sei tudo, então os espelhos estão funcionando".

Michel Foucault, ao escrever sobre Flaubert, em 1964 ("As Tentações de Santo Antão") chamava a atenção do livro de Flaubert sobre o anacoreta ser totalmente ancorado no saber bibliográfico. Tudo no livro está apoiado na mudez e na erudição da poeira das bibliotecas; mas isso não garante que o que Flaubert mostra - às vezes sob a forma do teatro, outras vezes por outros estilos - tenha alguma relação com algum fato efetivo. As Tentações seriam, assim, um livro totalmente feito a partir de outras obras, mas uma obra que nada deve às representações da realidade, à fidelidade aos outros livros, e assim por diante. Um livro que, colocando obras umas na frente das outras, gera um espaço de puro saber (a palavra é de Foucault), sem referências à realidade.

Curioso jogo de disposição de obras, umas na frente das outras, que Foucault enfoca por muitas vezes. É assim, para ele, em Sade, em Blanchot, em Borges, e em vários outros. Esse jogo, em que uma obra simplesmente não diz nada além do espaço que ela mesma abre, jogo essencialmente transgressivo, por não se direcionar à realidade, mas muito dizer por sobre ela, é um jogo de espelhos, em que o autor anula a si mesmo, ao mesmo tempo instrumento de soberania da linguagem, e nada.

Talvez seja nessa direção que o BibliOdyssey caminha, junto ao Giornale Nuovo. São blogs que mostram que há pensamento para além da pedagogia dos papers, há pensamento sem autoria, sem autoridade, e com implicações como a da apresentação da BibliOdyssey. Quando o autor cria um jogo de espelhos, é como se ele soubesse tudo. Mas isso pouco importa, pois efetivamente, esses espelhos tem algo a dizer.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi nomadez
Li a entrevista com o hakin bey. Muito interessante, com certeza.
Eu queria conversar algo contigo, talvez vc pudesse me 'clarear' uma dúvida. Eu não conheço o conceito de agenciamento, que vc falou em um dos posts... mas, dentro disso, quando o Hakim Bey diz que as redes armadas dentro da Rede não seriam zonas autônomas temporárias... eu fiquei pensando: será? Não sei, esse é um assunto novo pra mim. Ele diz que a liberdade precisa incluir o corpo, e que no ciberespaço não há corpo. Não sei, mas penso que o corpo, de forma material, como pensamos, tudo bem, não está lá, na tela, mas na Rede acontece um processo quase que de simbiose, sei lá, eu penso que ao estar teclando aqui, para vc, por exemplo, estou com o meu corpo... corpo que carrega uma memória... Ele diz ainda que: "A única coisa que a Internet ou o cIberespaço podem ter com relação à Zona Autônoma Temporária é que eles são instrumentos ou "armamento" para alcançar a liberdade". Acho que não estou conseguindo elaborar direitnho a minha dúvida, mas o fato é que pra mim é difícil dissociar a pessoa que estou sendo online da pessoa que estou sendo offline. Se penso assim, acho que há possibilidade de criarmos TAZ na Rede tb, porque elas produzem efeitos em nós que levamos quando estamos offline. Não há como separar essas esferas.
Fiquei pensando nisso e adorei a definição dele para 'terrorismo poético', e logo me lembrei do filme "Edukators" que, com certeza, mexe com a gente, nos transforma ao menos um pouquinho...
Abraços e até breve!

nomadez disse...

Oi Vi,

Tentei escrever algo a respeito nesse post, embora o blogger e minha conexão conseguiram acabar com dois textos terminados, e não consegui concluí-lo. Mas está lá, parece que Bey lança um juízo em relação aos corpos e ao que ele chama de "alienação". A TAZ, assim, deveria ser relacionada a alguma possibilidade de mudança efetiva (mesmo que em sua definição, seja 'temporária'), não apenas afirmação, mas afirmação efetiva da afirmação, como tentei mostrar nos textos de Deleuze sobre Nietzsche e Foucault... Mas é uma pena, minha conexão conseguiu acabar com dois textos que até estavam legíveis... espero poder escrever mais - e melhor - sobre isso no futuro, pois são questões como a que vc enunciou q parecem atualmente as mais importantes...

um abraço,