24 setembro 2005

Frederic Gros: A interiorização da loucura na modernidade.

Abaixo, consta a tradução (livre) de uma passagem de um excelente livro de Frederic Gros sobre Foucault, chamado "Foucault et la Folie". Em questão, Gros está descrevendo o grande movimento histórico de interiorização da loucura efetuado entre os reformadores das instituições asilares, e o surgimento das ciências "psi". Movimento que confere ao "homem", em sua própria condição de objetivado, uma distância interior entre sua consciência e suas determinações. Distância que, em um primeiro momento, era mensurada no Asilo a partir de práticas eminantemente morais, para num segundo momento, correlativo à interiorização, receberem o estatuto de "científicas".

A objetivação alienante será retomada como relação concreta do médico com o doente (capítulo "O nascimento do asilo"). Toda a tese de Foucault consiste, desta vez, apoiando-se sobre os textos de Tuke e de Pinel, em demonstrar como a partilha clássica razão/desrazão é conservada em sua estrutura, construída não mais como distância social entre uma sociedade e suas margens, mas como distância do louco a si mesmo: interiorização da partilha. A empresa dos primeiros asilos se deixa descrever como uma vasta culpabilização. Falta que se crie entre o louco e ele mesmo uma distância para que advenha em si a tomada de consciência dolorosa de seu estado de louco, ressentido como falta, anomalia monstruosa. A partir de que, em um processo de objetivação incessante e controlado, o louco será conduzido a se considerar nesse estado como outro que se desejaria que seja, outro que ele deveria ser (que o que ele é normalmente). Ele deverá desejar coincidir com o tipo normal que se tem o cuidado de o representar como sua verdade. Há interiorização, no sentido em que a alienação não consiste mais em rejeitar o louco às margens delimitadas do exterior como sendo as zonas de uma einterdita, da falta, do mal, da animalidade, mas, guardando ao mesmo tempo o lugar institucional de uma alienação material (enclausuramento em um espaço guardado), a redobrar interiormente a alienação construindo-a como distância do louco a si mesmo. Curar um louco é, por uma série de operações em concerto, fazê-lo ressentir como falta a reparar sua própria loucura. Ele deverá aprender a vivê-la pela culpa. Curar, para um louco, é terminar por aceitar pela angústia, e por um perpétuo controle de si, essa identidade que um outro (o médico) o apresenta como sã. (Gros, F. Foucault et la Folie. Paris: Plon, 1997. p. 73-74)
Curioso eco essa passagem tem com o lugar de Hegel na argumentação foucaultiana. Para Foucault, Hegel extrai com todo rigor conceitual as medidas dos reformadores do Asilo, transformando-as num jogo interior do homem em sua busca por autonomização. Trata-se do interessante parágrafo 408 da Enciclopédia das Ciências Filosóficas e seus adendos, em que Hegel elogia a sensibilidade clínica de Pinel. Talvez essa passagem de Gros ajude a compreender a ligação entre Hegel e o asilo, em História da Loucura.

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