14 setembro 2005

Thierry Bouts - L´Enfer (1450)



"E, por uma surpreendente inversão, é o animal, agora, que vai espreitar o homem, apoderar-se dele e revelar-lhe sua própria verdade. Os animais impossíveis, oriundos de uma imaginação enlouquecida, tornaram-se a natureza secreta do homem, e quando no juízo final o pecador aparece em sua nudez hedionda, percebe-se que ele ostenta o rosto monstruoso de um animal delirante: são esses corujões cujos corpos de sapos misturam-se, no Inferno de Thierry Bouts, à nudez dos danados (...)" FOUCAULT, M. História da Loucura. SP, Perspectiva, 1995.
Thierry Bouts, junto a Bosch, Brueghel, Schonghauer e Albrecht Durer servem, para Foucault, como mote de descrição de um ponto polêmico de seu primeiro grande livro: a chamada "experiência trágica" da loucura. Conforme Foucault, no final da Idade Média, a ruína do simbolismo gótico, com toda sua complexidade de figuras imaginárias, ocasiona um decálogo entre as imagens - doravante mudas, misteriosas, repletas de um sentido esotérico - e a experiência renascentista. O silêncio das imagens enuncia um excedente de sentido, o anúncio de uma alteridade insidiosa que se coloca ao sábio como supremo mistério. Trata-se de um perigo mudo, de uma alteridade que provém "do outro mundo", mas que invade esse como que saindo das entranhas da própria terra. E o sábio, diante dessa alteridade, se inclina, fascinado por esse murmúrio que pode revelar a própria verdade do homem.

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