13 setembro 2005

O que é uma Lista de Discussão?

À primeira vista, poderia-se dizer que uma lista de discussão é um "lugar" em que as pessoas discutem sobre certas coisas. Há listas de discussão de todo tipo, cada qual sobre assuntos em que determinado indivíduo se interessa, pergunta, recebe a resposta, ou responde. Algumas pessoas sabem mais, outras menos, outras participam quase exclusivamente com dúvidas, e outras, com explicações das mais verazes às mais espalhafatosas. Mas gostaria de dar outra idéia a respeito do que de fato é, ou o que para muitos pode ser uma lista de discussão.

A princípio, em relação ao próprio "lugar", e à "discussão" que se discute numa lista de discussão. O lugar, que lugar é esse? "Onde" é feita a discussão de uma lista de discussão? E o tempo, por sua vez, em que tipo de temporalidade uma discussão é efetivada, discutida?

Em primeiro lugar, numa lista de discussão as conversações são infindas e indefinidas, não há uma temporalidade precisa. Pode-se fazer uma pergunta, e nunca ser respondido, ou mesmo, uma pergunta ecoar por meses para então resultar num acirrado debate. Podem haver debates calorosos que são interrompidos bruscamente, sem motivo algum. Nas pequeninas palavras do email, são criados amigos, adversários, inimizades, contatos, interlocutores, encontros, desencontros, tudo a partir da informalidade, do contato descontínuo, e de uma certa ausência, já que não se sabe quem está do outro lado. Um listeiro não se relaciona com outras pessoas, mas com aquelas palavras mesmas que lê no computador. De modo que a palavra "listeiro" não define uma "pessoa", mas sim o resultado da potencialização que pode resultar daquelas palavras...

É aí que entramos na questão do espaço. Uma lista é apenas um hard disc armazenado em um servidor? Ou seria multiplicada nos inúmeros assuntos, e em e-mails que nem mais são mandados para a lista, e-mails entre listeiros, telefonemas, conversas, encontros, refeições, grupos de estudo... Orbitando as palavras de uma boa lista de discussão, é criado um campo de outras palavras, gestos, afetos, meios, espaços, deslocamentos, encontros, de forma essencialmente inusitada. Listeiros trocam informações entre si sobre os assuntos da lista, ou mesmo inserem na lista assuntos que foram tratados fora. Algum listeiro pode por acaso encontrar outro em uma padaria, tendo como sinal e motivo de conversa apenas um livro que a outra pessoa portava, e que se relacionava ao assunto da lista; outros podem criar encontros em eventos, outros, mesmo, apenas tomar uma cerveja juntos.

Outra pergunta: numa lista de discussão, quem discute? O professor erudito, catedrático, arrogante e interesseiro que quer desenvolver um filão de seu estudo na net e ganhar dinheiro e reputação, junto ao adolescente curioso, o senhor e os demais interessados? Não, as posições, privilégios e as hierarquias são cindidas, bem como os nomes. O que resta para ser discutido são, no fim das contas, "idéias". Como vimos, não meras idéias, já que são idéias potencializadoras e criadoras de campos que ultrapassam as próprias "idéias". Mas a face que está do "outro lado", nosso interlocutor, pode ser qualquer pessoa, pode ser o melhor, algum desinteressado ou mesmo ninguém (já se falou sobre bots que se inscrevem em listas de discussão). Podemos estar conversando com uma grande autoridade disfarçada com um nome qualquer, ou mesmo, com um nome "qualquer" disfarçado de autoridade. A "autoridade" perde sua função e se esfacela, em nome do dito. Alguém que nos cristalizados círculos acadêmicos fica atrás da fila em matéria de visibilidade do seu trabalho - para emprestar a expressão "fila" de um texto escrito por um filósofo que não queria identificar-se -, ou mesmo alguém que nem está preocupado para inserir-se em "fila" alguma pode, em seu anonimato, ser revelador de idéias novas e inventivas. Por outro lado, um grande catedrático pode, muitas vezes, mostrar-se um paspalho.

É nesse sentido que uma lista de discussão é algo mais do que um HD com mero armazenamento de e-mails. A dinâmica de uma lista ensina, em suas multiplicações que ultrapassam as próprias palavras escritas, que das "meras" "idéias" informais, muito pode ser criado. Essa passagem direta do "virtual" ao "concreto", sem mediações e sem mesmo pressupor uma dualidade, é um bom exemplo para demonstrar como as relações cotidianas, pequenas, informais, podem ensejar mudanças.

Nenhum comentário: